por Mônica Campello

GAVETAS
Com delicadeza
abrir as gavetas
que guardam
as palavras de seda.
Deixá-las sempre
ao alcance
de um sopro,
prontas para o vôo,
para o ouvido,
para a boca.
Palavras de seda
são como borboletas
douradas
quando pousam
no coração do outro.
( Manual da delicadeza – Roseana Murray )
“A Fonoaudiologia é a ciência que estuda o comportamento lingüístico do homem, a partir de sua interação biopsicosocial, no sentido de colaborar para o pleno alcance de sua capacidade de comunicação global. Com enfoques de análise do comportamento lingüístico, podemos classificar a abordagem fonoaudiológica em linguagem, voz, fala e audição, considerando que o nosso objetivo de estudo é a comunicação humana - a PALAVRA”.
A PALAVRA, a fala, propriamente dita, quando surgem?...
Após o nascimento, de tão aguardado e amado bebê, suas mãezinhas e familiares esperam ansiosamente por sua primeira PALAVRA. Sabemos que a criança adquire a linguagem através de vários estágios. Do balbucio (inato) inconsciente até a linguagem fluente, semelhante à do adulto, há inúmeras etapas a transpor. Observando uma criança em seus primeiros meses de vida, verificamos que seus sons aparecem em função do seu desenvolvimento motor.Assim como “brincam” movimentando braços e pernas, descobrindo-os, elas também começa a utilizar seus órgãos fono articulatórios (boca, lábios, língua), brincando, produzindo sons, soltando PALAVRAS que muitas vezes são interpretadas por seus pais e familiares como um “ mamãe” ou “papai” “desfalcado por algumas letrinhas”- como já ouvi de uma vovó.. E isso é gratificante! É mesmo apaixonante e aguardado ansiosamente por todos.
É importante saber que essas primeiras manifestações, embora ainda sem intenção de comunicação, vão criando significados, adquirindo certas nuances, que demonstram para aqueles que o cercam o estado do bebê. Neste momento essa comunicação sem intenção começa a ter um caráter de sinal, numa forma meio primitiva de relação. A mãezinha passa a compreender o que o bebê sente, se está desconfortável por estar molhado, com fome, sede, calor ou bem disposto alegre, alimentado ou agasalhado. Outro momento mágico é a comunicação pré – verbal, a PALAVRA de seda entendida sem necessariamente ser dita.
O processo de aquisição de linguagem acontece de forma diferente em cada criança. Cada um no seu tempo; mas é importante pontuar como a troca, a conversa, a estimulação dada a esse pequeno Ser influencia diretamente no desenvolvimento desse período. Constatamos muitos casos de crianças que chegam ao consultório com problemas de linguagem, evidenciando a falta de estrutura emocional básica. Esta carência é também observada em crianças criadas em orfanatos ou naquelas que não tiveram a devida atenção de seus pais durante essa fase, prejudicando, assim, seu desenvolvimento lingüístico.
ENCONTRO - PALAVRAS DE SEDA, SEMPRE AO ALCANCE, QUE POUSA NO CORAÇÃO.
Ficamos sempre muito felizes quando encontramos nossos amigos, nossa família, quando estamos com nossos filhos transformando nossas PALAVRAS em carinho e atenção.
Porém, outro fato curioso que tenho observado ultimamente na prática em consultório é que um número maior de mães ansiosas nos procuram preocupadas – sentindo-se um pouco culpadas por seus filhos, muitas vezes aos 5 anos, não conseguirem iniciar a escrita. ATENÇÃO. .1..2..3..4..5.. .apenas 5 anos, mãezinhas !!!
Nesse momento, abrimos nossas gavetas e com PALAVRAS de seda orientamos essas mães, que pela vida atribulada que têm, vêm exercendo diversos “papéis” como mães, profissionais e esposas. Sentem-se cobradas muitas delas apenas por si mesmas, por não serem tão presentes e participativas no dia a dia das descobertas de seus filhos.
As PALAVRAS nos fascinam!
Os ENCONTROS que nos possibilitam usá-las, preenchem nossos corações de alegria!
O CONTATO, o TOQUE, a TROCA, a ATENÇÃO, os GESTOS e os SINAIS usados pelas pessoas surdas - a LIBRAS* - tudo é comunicação, interação.
O contato tão importante e necessário nessa etapa, mesmo que por pouco tempo, deverá ter qualidade e quantidade suficientemente adequadas.
Lembro-me do relato de uma mãe, que para driblar sua falta de tempo, costumava cantar durante a troca diária da fralda matinal de seu bebê, antes de deixá-lo na creche, enquanto balançava uma pequena gaivota estrategicamente colocada em cima do trocador. Docemente dizia a melodia: O passarinho voa...Vooooooooa...Voooooooooooooaaaaaa, em seus preciosos poucos minutos de interação. Qual não foi sua surpresa e emoção quando numa determinada ocasião seu bebê a ”respondeu” acompanhando-a na melodia: - ooooooooooooaaaaaaaaaaa.... Ooooooooaaaa.
Que momento mágico!
A imitação dos sons da linguagem faz com que um circuito reflexo áudio-motor aconteça; sons emitidos pelos pais – ouvidos pelo bebê – levados aos centros corticais (onde são percebidos, associados, simbolizados e memorizados) – e depois aos órgãos da fonação para a sua eventual emissão, se interiorizam com o desenvolvimento, estando mais tarde à disposição desta mesma criança como aprendizado absoluto (ou seja: eu imito, interiorizo e uso). A visão, nesse momento representa também um suporte importante nesse processo, pois a criança repete com mais facilidade os sons que são articulados mais visivelmente, na medida em que ela fixa a boca do adulto com ponto de apoio.
Por isso, mamães, vejam como é importante nesse período da vida de seus filhos utilizarem PALAVRAS de seda, mesmo que não tão freqüentes, mas inteiras quando freqüentes.
Escolhi nessa nossa conversa falar sobre o ato da fala - a PALAVRA que por vezes é motivo de pré-ocupação dessas mãezinhas, que afligem seus corações despreparados em relação à fala de seus filhos. Mães de primeira, segunda, sexta viagem, mas sempre apaixonadas e envaidecidas por suas crias. Com isso converso também com vocês papais e vovós que participam desse momento.
Mas por que mãezinhas assim, no diminutivo?
Porque foi a maneira que encontrei, à distância, de dirigir-me a vocês com carinho, proximidade criada por meio da PALAVRA, buscada numa gaveta em sua forma diminutiva querendo dar uma conotação de aconchego nesse nosso “encontro”, pois pra mim ENCONTRO é palavra de seda, que sempre ao nosso alcance resgatada na gaveta, pousa delicadamente no coração do outro que se comunica com a gente.
* LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais.
MÔNICA CAMPELLO - fonoaudióloga clínica, pós graduada em audiocomunicação, professora especialista em deficiência auditiva e Membro da Divisão de Fonoaudiologia do Instituto Nacional de Educação de Surdos INES / MEC , Centro de Referência Nacional na área da Surdez. – monicampello@yahoo.com.br
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